Brasil: a foto e o filme
O texto a seguir é retirado em grande parte de texto maior, citado no final, “Déficit estrutural do Brasil”, onde constam as tabelas e gráficos comprobatórios do que é referido aqui. Alguns itens foram atualizados para 2022, com base nos sites próprios.
A FOTO
O governo atual costuma dizer que recebeu uma herança maldita, o que, no entanto, não encontra amparo na realidade dos números, estando também em desacordo com o que dizem alguns economistas que apoiam o governo, como André Lara Resende, quando afirma que as finanças não estão tão mal assim, pelo contrário, citando o superávit primário de R$ 126 bilhões ou 1,3% do PIB, a dívida bruta a 73,5% do PIB, entre outros indicadores positivos. Para sermos mais exatos, destacamos que o superávit citado é de todo o setor público, o do Governo Federal foi R$ 59,7 bilhões, 0,6% do PIB.
Além desses, outros indicadores deixados fazem da herança não tão maldita assim, como o PIB com taxas de 3%, taxa de desocupação 7,9%, a menor de uma longa série histórica; taxa de inflação de 5,79%, embora acima da meta, menor que a de vários países da União Europeia, da América Latina e até dos Estados Unidos, gastos primários excepcionalmente estabilizados. Mas para a foto ficar completa faz necessário citar aspectos negativos que dizem respeitos à falta de recursos no orçamento da Saúde e da Educação e de outros setores.
Também faltaram recursos para a compensação de parte da arrecadação de ICMS perdida pelos estados e municípios, em função das mudanças introduzidas pela Lei Complementar n° 194/2022, embora parte dela, talvez a maioria, seria feita mediante desconto nas prestações da dívida para com a União, conforme previsto na própria lei.
Entretanto, o déficit aludido de R$ 300 bilhões deixado pelo governo passado é fantasia. Até porque parte dele decorre das promessas feitas em campanha, algumas delas por ambos os candidatos, como o a do aumento real do salário-mínimo e a da mudança da Tabela do Imposto de Renda, promessas essas inviáveis para ambos os candidatos. Por isso, atendidas agora, somente em parte.
O governo informa que buscará os recursos para os benefícios que concedeu no pente-fino no bolsa família, porque houve muita concessão indevida. O auxílio Brasil atinge 21,6 milhões de famílias. Informam que o número de pessoas que passam fome no Brasil é de 33 milhões, mas há informações de que 58,7% da população (em torno de 133 milhões) passam por alguma insegurança alimentar. Então, a serem verdadeiras essas informações, o aludido pente-fino vai apenas mudar o nome do beneficiário, não reduzindo despesa.
Compõem também do aludido déficit, o aumento do auxílio Brasil (novamente bolsa família), prometido por ambos e mais o adicional de R$ 150,00 criado pelo governo atual, a cada beneficiário, por filho até seis anos. O governo passado também praticou na mesma política, ao aumentar a assistência social de uma média história de 9% dos gastos da Seguridade Social para 14%, sem contar o ano de 2020 (ano da covid), com 28,8%. Mas a crítica que existia e ainda existe é a de que ele não atendeu às necessidades da população carente.
Cada governo que entra acha que o anterior lhe deixou uma herança maldita. O que ocorre, na realidade, é o grande déficit estrutural brasileiro, que parece que preferem esconder, tratado a seguir.
O FILME
Os fatos citados na primeira parte são a FOTO do momento atual ou do passado recente. . Mas o Brasil tem grandes problemas estruturais gerados com o passar do tempo, _O FILME, que destacamos como principais os seguintes:
1. Crescimento econômico recorrentemente baixo
O baixo crescimento econômico talvez esteja na raiz da maioria dos demais problemas. Depois de grande crescimento econômico em décadas passadas, até 1980, com taxas superiores às da América Latina e do mundo, o Brasil entrou numa fase que parece interminável de baixo crescimento econômico (Giambiagi et al. obra cit. 2011. Apêndice Estatístico Tabela 1, p. 246).
Entre 1985 e 2022, durante 38 anos, o Brasil cresceu numa média de 2,3% ao ano. Encurtando mais esse lapso de tempo para 20 anos, entre 2003 e 2022, a taxa de crescimento baixa para apenas 2%. É verdade que houve alguns períodos que apresentaram crescimentos maiores, mas que foram reduzidos ou anulados por crescimentos menores e até negativos, cada um deles com suas causas específicas, que fogem ao objetivo deste texto sua descrição e análise (IBGE, Apud. IPEA Data. Cálculos próprios).
2. Carga tributária alta, mas insuficiente:
Junto com o aumento de gastos, o baixo crescimento do País é um dos fatores que levaram a carga tributária de 24,5% do PIB em 1980, para 30,4% em 2000, para 33,9% em 2021.
E apesar desse enorme valor, a receita não está concentrada na União (embora para o senso comum diga o contrário), porque depois das transferências aos demais entes federados lhe resta em torno de 50%. No entanto, 33% é vinculado à Seguridade Social, sendo, ainda, insuficiente. Apesar disso, a Seguridade Social apresenta muitas deficiências, principalmente na Saúde, com mazelas por todas conhecidas. Na Previdência, 61% recebe um salário mínimo.
Com isso, restam menos de 17% para as demais atribuições da União, distribuídas entre 37 ministérios e secretarias e demais órgãos autônomos. E, ainda, cobrir o déficit da Seguridade Social e fazer superávit primário. Diante disso, o déficit só é evitado, quando ocorrem receitas extras e controle de despesas, como o imposto pelo teto de gatos, mas deixando lacunas de atendimento em diversas áreas, como ocorreu em 2022.
3. Seguridade Social deficitária e grandes mazelas sociais
Formada pela Previdência, Saúde e Assistência Social, cujo déficit gerado em 2022 foi de R$ 276,4 bilhões, menor que o do ano anterior, que fora de R$ 288,4 bilhões. Em 2021 foram comprometidos com Seguridade Social 80,3% da receita líquida do Governo Geral, baixando para 75% em 2022. Esse déficit é o excedente da receita própria da Seguridade que é coberta por recursos do Tesouro Nacional.
A despesa da Seguridade Social em 2022 ficou assim distribuída: benefícios do RGPS: 57,8%; aposentadorias dos servidores federais: 8,8%; abono salarial e seguro desemprego: 4,8%; assistência social: 14,3%; Saúde: 14,3%; e diversos itens: 3,4%.
4. Previdência social com déficits altos e crescentes:
Composta pelo Regime Geral (INSS) e do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS).
Nesse assunto há uma enorme confusão entre reflexo financeiro no total da despesa e a injustiça remuneratória. Ocorre que a União suporta um déficit de R$ 98 bilhões para atender 1,171 milhões aposentados e pensionistas, num valor médio de R$ 93.200. Já no Regime Geral, para atender mais de 36 milhões de beneficiários, o déficit médio é de R$ 6.700, quase 14 vezes menos.
Entretanto, quando se verifica o crescimento desses déficits, se constata que o déficit do RPPS (dos servidores federais) decresceu de 1,2% do PIB em 2012 para 1% em 2022.Já o déficit do INSS passou e 0,8% do PIB para 2,7%, no mesmo período. Multiplicou-se por mais de 3 vezes.
Além disso, as últimas reformas tenderão a segurar o crescimento do déficit do RPPS, pelo fim da aposentadoria integral (mantido o direito adquirido para os que ingressaram até 31/12/2003 e para os já aposentados), pela média na apuração dos benefícios, pela aposentadoria complementar e pelo aumento da alíquota de contribuição previdenciária
Já no INSS, também as reformas reduzirão despesa, mas ainda permanece a grande influência do crescimento vegetativo dos beneficiários e dos reajustes reais dos benefícios.
A despesa do INSS passou de 3,2% dos gastos do Governo Central em 1991, para 8,2% em 2021, por três principais razões: crescimento vegetativo médio de 2,6% desde 2006; razão beneficiário/contribuinte de 1,4 e por sua incidência em 61% das aposentadorias, e em quase todos os benefícios da LOAS/RMV e de vários outros auxílios. Qualquer aumento real concedido, mesmo que altamente meritório, junto com o crescimento vegetativo, produz grande incremento na despesa.
5. Radical transformações no mercado de trabalho com altos reflexos na arrecadação previdenciária
Está havendo uma radical transformação do emprego formal nas relações de trabalho, como:
- Autônomos e firmas,
- Transformação de trabalhadores em pessoas jurídicas (PJ), a denominada “pejotização”,
- Trabalho por empreitada sem local e horário fixos,
- Os empregados passam a ter preferência por ser empreendedores.
- Problema da automação.
Matéria publicada na Revista Conjuntura Econômica de fevereiro de 2019, denominada Previdência sem Providência, de José Roberto Afonso e de Juliana Damasceno de Sousa mostram isso, dando como exemplo o fato de enorme aumento da participação dos contribuintes que ganham até três pisos previdenciários, de 21% para 82% entre 1998 e 2007; e a redução de 31,8% para apenas 2,4% para os que ganham acima de dez pisos.
Consequências: queda da arrecadação previdenciária, ente outras.
6. Desonerações fiscais em grandes proporções
O valor dos gastos tributários ou desonerações fiscais diferem muito, conforme os critérios considerados em tempos distintos, mesmo que não haja alteração da fonte, no caso a Receita Federal do Brasil.
Numa análise anteriormente feita, envolvendo o período 2002-2018, os dados apurados são da mesma fonte que apresenta os dados do período 2007 até 2019, mas são bem diferentes dos anteriores, especialmente até 2013
Embora não tenha encontrado mais esses dados na fonte, o livro “Erros do passado, soluções para o futuro”, de Afonso Celso Pastore, na p.235, traz um gráfico que retroage ao ano 2000, informando também que as renúncias fiscais, de uma média de 1,5% do PIB no período 2000-2005, foram para algo entre 2,5% e 3% no período 2008-2009, e para uma elevação muito maior, em torno de 4,5% do PIB em 2014-2015. Pelo PIB de 2021, esse último percentual importa num montante de R$ 400 bilhões, aproximadamente.
Ainda, segundo o mesmo autor, a arrecadação começou a cair em 2014, mesmo antes da recessão, levando à queda dos superávits primários, abrindo um déficit primário recorrente, que levou a perda de sua classificação como “grau de investimento”.
Somente três casos, Simples Nacional (28,5%); Deduções e Reduções do Imposto de Renda PF (15,7%) e Zona Franca de Manaus (8,6%) são responsáveis por mais de 52% do valor total das desonerações.
7. Gastos primários do Governo Central com crescimento incompatível com o equilíbrio macroeconômico
Os gastos primários (sem os juros)desde 1991 sempre apresentaram um crescimento maior que o do PIB, em todos os governos, mesmo nos períodos de maior crescimento da economia, até 2016. A partir desse ano, com o teto de gastos, reduziram de 23,6% para 22,9% em 2022, mesmo tendo alcançado em 2020 29,6%, devido à pandemia da covid-19. Houve uma grande redução na participação de da despesa de pessoal, mas isso decorreu em grande parte ao congelamento imposto pela Lei Complementar n° 173/2000. Essa despesa baixou de 4,10% para 3,40% do PIB, de 2016 para 2022.
8. Altos déficits primários e nominais e altos juros
Tomando somente o Governo Central, do ano de 2006 até 2013, em oito anos, houve superávit primário. Após ocorreu uma sucessão de déficits durante mais oito anos, que só foram eliminados em 2022, produto da grande recessão, que começou em 2014. Todo o setor público, englobando estados e municípios, a situação é semelhante, só que com resultados um pouco melhores.
Ocorre que mesmo no período superavitário, foram cobertos apenas 50% dos juros, em média. Isso mostra a tendência para o crescimento da dívida, porque sempre se acumulam juros ao saldo devedor, parcial ou integralmente. O valor dos juros da dívida correspondeu, em média, no período 2006-2021, a 4,3% do PIB, sendo a maioria incorporados ao saldo devedor da dívida.
Em 2022, o Governo Central apurou um superávit de R$ 59.701 milhões (0,6% do PIB) , sendo no setor público bem maior, R$ 125.994 milhões (1,3% do PIB), mas o juros da dívida foram de R$ 586.427 milhões (6% do PIB). O déficit nominal foi de R$ 460.433 milhões (4,7% do PIB), o que representa crescimento da dívida pública. Mesmo com superávit primário, pouco mais de 21% dos juros puderam ser pagos. A preocupação é manter a razão dívida/PIB, o que geralmente não é possível, e não evita o aumento do endividamento.
As causas dos déficits estão nos resultados primários insuficientes e nos altos juros da dívida. Esse é um dos grandes problemas brasileiros.
9. Dívida pública alta e crescente como causa e efeito dos altos juros
Em função desses déficits continuados, a dívida bruta do governo geral (DBGG), que é a dívida da União, estados e municípios, exceto Banco Central e estatais, que estava em 51,5% do PIB em 2013, foi para 65,5% em 2015, cresceu para 75,3% em 2018, atingiu 86,9% em 2020, com a pandemia, decrescendo depois para 73,5% em 2022. É um valor sustentável, mas em termos absolutos foi de R$ 7,225 trilhões. Mas o maior problema não é a dívida em si, mas o custo dos juros, que dependem também da taxa Selic, cuja fixação depende muito da situação fiscal.
Por isso, a boa condução das finanças públicas é fundamental para o equilíbrio macroeconômico.
A dívida líquida do setor púbico (DLSP), que é o balanceamento entre as dívidas e os créditos do setor público não financeiro mais a dívida líquida do Banco Central. Ela apresentou um comportamento semelhante, passando de 30,5% do PIB em 2013 para 52,8% em 2018 e 57,5% em 2022, num total de R$ 5,658 trilhões.
10. Transição demográfica, o inimigo invisível e inconciliável
A transição demográfica é um fato que não é levado em conta pelos governos, e, no entanto, e representa um grave problema para o futuro.
Paul Taylor, escritor americano, autor do “The Next América”, falando a respeito da transformação social e etária dos Estados Unidos, disse: “A mudança demográfica é um drama em câmara lenta”.
O mesmo pode ser dito do Brasil com, ainda, um agravante que, ao contrário dos Estados Unidos e de vários outros países, que enriqueceram antes de envelhecer, tudo indica que nos manteremos pobres antes de envelhecermos. Seremos um país de velhos pobres.
A população está crescendo a um ritmo cada vez menor, devendo em 2047 atingir 233.233.670 habitantes, segundo o IBGE, quando passará a decrescer.
A população com 65 anos ou mais dobrará entre 2022 e 2050, passando de 10,5% para 21,9%. O envelhecimento da população, além do problema previdenciário, produz aumento dos gastos com saúde e assistência social.
Roberto Campos, economista que foi Ministro do Planejamento, dentre tantas frases importantes, cunhou mais esta: “O Brasil é um país que não perde a oportunidade de perder oportunidades”.
O crescimento de uma economia ocorre pelos trabalhadores existentes, pela produtividade, entre outros fatores. Se não for possível adicionar novos trabalhadores tem que aumentar a produção dos existentes – a produtividade – o que é feito com a adição de mais equipamentos e treinamento dos que deles fazem uso. Isso depende também de melhorias na educação.
Em 2018 findou o bônus demográfico quando a taxa de crescimento da população total passa a ser maior que a da população em idade ativa.
Com o fim do bônus demográfico, a única forma de aumentar a renda per capita do Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalhador. Pois não aproveitamos a oportunidade de aumentar a nossa renda per-capita pelo bônus demográfico. Perdemos mais essa oportunidade, confirmando o que diz a frase citada, no início.
Referências
Afonso – José Francisco. Souza – Juliana Damasceno. Revista Conjuntura Econômica, fevereiro, 2019, p. 26/30. Previdência sem Providência.
BANCO CENTRAL DO BRASIL.NFSP. Disponível em IPEA: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelas especiais
Para DLSP e DLGG – Estatísticas. Tabelas Especiais
Giambiagi, Fabio; Villela, André; Castro, Lavínia Barros de; e Hermann, Jennifer. Economia Brasileira Contemporânea [1945 – 2010]. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
PASTORE – Afonso Celso. Erros do Passado e Soluções para o Futuro. Editora Shwarcz S.A. São Paulo – SP, 2021.
Santos, Darcy Francisco Carvalho dos. Déficit Estrutural do Brasil. Disponível no endereço a seguir: (financasrs.com.br)
NOTA: Demais obras e textos consultados constam na publicação do mesmo autor, Déficit estrutural do Brasil, referida acima.