O FPE: repartição inadequada, uma injustiça escancarada

Precedentes

O povo gaúcho sempre foi muito queixoso pelo que entende por exploração dos estados, especialmente o RS, por parte do Governo Central, ao ponto de em 1835 deflagar um grande movimento armado contra o citado Governo Central, a Revolução Farroupilha (20/9/1835 a 01/03/1845), que durou quase dez anos. Na ‘ocasião, seu principal líder fez esta afirmação:

Alimentávamos os outros na abundância e perecíamos de miséria, sustentávamos o fasto, as extravagâncias dos ministros dilapidadores e não podíamos satisfazer as mais urgentes exigências da sociedade em que vivíamos; e para acúmulo de afrontas recebíamos de mãos estranhas e como por esmola a miserável quantia que nossos próprios cofres nos concediam.”

Parte do Manifesto do Presidente da República Rio-Grandense, Bento Gonçalves da Silva. Piratini, 29/08/1838.

Há muitos exageros nas queixas dos gaúchos, mas em alguns casos eles têm razão, entre eles, a inadequada e injusta distribuição do Fundo de Participação dos Estados – FPE, que era ruim e ficou muito pior com a mudança ocorrida em 2013, uma injustiça escancarada.

Fundo de Participação dos Estados – FPE

O FPE é formado por 21,5% do produto da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Esse fundo é distribuído na proporção de 85% para os estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste e 15% para as regiões Sul e Sudeste, embora essas últimas contribuam com cerca de 80% da arrecadação desses tributos e detenham 56% da população.

Destacamos que o IPI será extinto com a reforma tributária, devendo esse critério ser modificado.

O FPE foi criado para promover o equilíbrio socioeconômico entre os estados, por isso os mais pobres devem receber mais recursos que os mais ricos. O problema está em estabelecer qual a proporção adequada para que se estabeleça esse equilíbrio.

Os índices que estão em vigor foram estabelecidos na Lei Complementar nº 62 de 1989 e deveriam ser alterados por lei específica em 1992, o que não ocorreu. Com o passar do tempo,  as condições socioeconômicas dos estados se alteraram e a distribuição dos recursos do FPE não se modificou.

Em função disso, quatro estados, entre eles o RS, ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade, contestando o uso de coeficientes fixos. O STF, em fevereiro de 2010, atendeu às reivindicações dos estados, julgando inconstitucionais os coeficientes fixos, tendo mantido, no entanto, a vigência da regra atual até 31 de dezembro de 2012, lapso de tempo necessário para que o Congresso Nacional aprovasse nova legislação.

A finalidade do FPE é equalizar as receitas dos estados, mas o critério em vigor exagerou na dose, ao ponto de fazer com que alguns estados das regiões beneficiadas ficassem com receita corrente “per-capita” superior a de estados das regiões Sul e Sudeste, de que são exemplos os casos, demonstrados na Tabela 1.6 construída com base em dados de 2010, quando se debatia a necessidade de mudança que veio ocorrer em 2013.

O Estado do Acre antes do FPE ocupava a 12ª posição em receita corrente “per-capita”. Com a distribuição do FPE passou para a 3ª; Amapá passou da 17ª para a 4ª; e Tocantins, da 16ª para a 6ª. Já São Paulo baixou sua participação da 3ª par a 7ª; Santa Catarina, da 8ª para a 15ª;  e Rio Grande do Sul, da 7ª para 13ª.

Tabela 1.6. “Ranking” dos estados antes da mudança ocorrida em 2013
na participação na receita corrente “per-capita”, com e sem FPE

Concordamos que as regiões mais ricas devam contribuir para o desenvolvimento das mais pobres. Isso, no entanto, tem limites, não podendo ocorrer excessos.  Em função da ocorrência desses excessos, por uma questão de justiça, defendíamos uma mudança que fizesse uma distribuição mais equitativa dos recursos da Federação. Por isso, não concordávamos com a repartição anterior, porque os estados considerados mais ricos também contêm sub-regiões deprimidas de condições iguais às dos estados mais pobres. Diante de todas essas discrepâncias, foram tentadas novas regras, do que passamos a tratar.

Nova regras para a distribuição que estão em vigor

Das frases atribuídas a Murphy,  há uma que parece se adequar muito bem ao que resultou da última alteração dos critérios de distribuição do FPE, para alguns estados: “nada é tão ruim que não possa piorar”.

Visando atender à determinação do STF,  foi editada a  Lei Federal n° 143, de 17/07/2013 que aprovou novos critérios, tão complicados quanto injustos para alguns estados,  deixando “pior a emenda do que o soneto”.

A Região Sul perdeu 17% com o novo critério. A que mais ganhou foi a Região Sudeste, embora São Paulo, que detinha apenas 1%, ficasse com menos ainda, ou 0,752%. O grande ganhador foi o Estado do Rio de Janeiro, com um acréscimo de 99,1%, e o Estado do Espírito Santo, com 38,9% (Tabela 1.7). Já, a Região Nordeste, reconhecidamente a mais pobre, perdeu 6,7%. A Região Norte aumentou sua participação em 10%, tendo o Estado do Amazonas aumentado em 51,1%.

As Regiões Sul e Sudeste ficavam com apenas 15% dos recursos e passaram para 15,83%, um aumento de 5,5%. Mas esse aumento decorreu das distorções referidas, em que o Estado do Rio de Janeiro foi o maior beneficiário; e o Rio Grande do Sul o que mais perdeu, 35.5%, inicialmente, ficando na 27ª posição, conforme Tabela 1.7, mesmo havendo no Estado microrregiões deprimidas social e economicamente. A Tabela 1.8 mostra a comparação por regiões geográficas, cujos dados globais não mostram as diferenças existente entre estados.

O novo critério estabelece que a partir de 1° de janeiro de 2016 o valor a ser distribuído será o do índice de  2015, corrigido , pela variação acumulada do IPCA do correspondente decêndio e pelo percentual acumulado de 75% da variação real do PIB da unidade beneficiária do ano anterior ao considerado para a base de cálculo.

Também a partir de 1° de janeiro de 2016, a parcela que superar ao montante especificado no parágrafo anterior será distribuída proporcionalmente aos coeficientes individuais de participação obtidos a partir de fatores representativo da população e do inverso da renda domiciliar per-capita da entidade beneficiária.

A lei em causa também define como se apura as variáveis referidas para a distribuição de 2016 em diante (população e inverso da renda per-capita), assim como as várias travas e/ou limites nela estabelecidos

Tabela 1.7.  Índice de distribuição do FPE por estado, 2015 e 2016

Tabela 1.8.  FPE por região, antes e após a mudança de 2013

Trata -se de um critério bastante complicado e, ao tomar como base a população e a renda domiciliar per-capita, implicou grande perdas futuras àqueles entes com uma população com menor crescimento e com renda domiciliar per-capita maior.

O Estado do Rio Grande do Sul, a população (6ª do País) nos últimos dois censos, de 2010 e 2022, ao crescer apenas 1,7% ou 0,14% ao ano, sendo esse crescimento o 23ª do País, ficando adiante somente de quatro estados: Rondônia, Bahia, Rio de Janeiro e Alagoas. Além disso, possui a 3ª maior renda domiciliar per-capita do País, situando-se abaixo somente do Distrito Federal e São Paulo.  O Gráfico 1.1 mostra a queda da participação do Estado do RS no FPE, de 2,35% em 2015 para 1,26% em 2024, ou seja 53,6%.

Gráfico 1.1. Participação do RS no FPE, 2015 – 2024

Injustiça escancarada

O mais incrível é que muitos estados que ficariam mais prejudicados pelos critérios futuros tiveram um excelente crescimento inicial, na passagem de 2015 para 2016, enquanto o Estado do RS perdeu 35,5% nessa passagem, que destacamos a seguir.

Rondônia, o de menor crescimento da população, teve uma melhora no índice de 2016 sobre 2015 de 26,3%; Rio de Janeiro teve 99,1% de crescimento; Alagoas, um crescimento de 10,9%. Já o Estado da Bahia teve um decréscimo de 11,1%, no entanto, tinha o maior índice de participação entre todos os estados e continuou com o maior, tendo a 4ª população e a 23ª renda domiciliar per-capita do Brasil.

Para efeito de comparação o Estado da Bahia, com uma população de 14.136.417 habitantes, tem 30% a mais de população que o Estado do RS, que tem 10.880.506 (Censo de 2022). No entanto, o  Estado da Bahia, na distribuição em 2016,  ficou com índice de 8,36, e o Estado do RS, com 1,52, portanto 5,5 vezes, ou 450% maior.

Com base no último coeficiente disponível, o de  2024, o índice do Estado da Bahia aumentou para 8,79, ou 5,1%, desde 2016. Já o Estado do RS teve uma redução para 1,26, portanto, menos 17,1%. A razão inicial que era de 5,5, passou para 7 sete vezes.

Tomando-se a renda domiciliar per-capita, o Estado do RS tinha em 2022 R$ 2.087 e o Estado da Bahia, R$ 1010, sendo a do Estado do RS mais que o dobro da renda do Estado da Bahia, um fator de 2,066.

A razão entre os fatores a seguir escancaram a injustiça dessa distribuição do FPE entre os estados:

Fator 1: Razão entre as populações:

BA/RS = 14.136.417/10.880.506 = 1,3

Fator 2: Razão entre as rendas domiciliares per-capita:

BA/RS = (1010/2087) (-1)  =    2,066 [1] .

Fator de equilíbrio = 1,3 x 2,066 = 2,686

Razão entre os fatores = 7/2,686 = 2,6 vezes.

Isso indica que o fator do Estado da Bahia é 2,6 vezes maior do que seria o fator de equilíbrio com o Estado do RS.

Se a população do Brasil cresceu 6,5% entre 2010-2022 a uma taxa de 0,52% ao ano e o Estado do RS cresceu 1,7% ou 0,14% ao ano, uma taxa quatro vezes menor, se não for alterado esse critério, cada vez mais o Estado do RS vai diminuir seu índice de participação do FPE.

Diante de tudo isso, Bento Gonçalves, se fosse vivo, seria instado por uma multidão de gaúchos para uma nova Revolução Farroupilha!

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

GOVERNO FEDERAL. Lei Complementar n° 143, de 17/07/2013.

GOVERNO FEDERAL. Lei Complementar n° 62, de 28/12/1989

TESOURO NACIONAL: Resultado da Execução Orçamentária, 2010

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO: Instrução Normativa n° 144/2015.

IBGE – População: IBGE – Censo de 2010 – primeiros números. Apud Senado Federal. População dos censos de 2010 e de 2022.

IBGE: Renda domiciliar per-capita dos estados em 2022.

[1] Proporção inversa na regra de três.

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