A culpa da omissão

“Quem não se comunica se trumbica.”
Do apresentador Chacrinha.
Se alguém me perguntasse qual a culpa do atual governador pelos atrasos salariais e pelo provável não pagamento em dia do 13° salário, eu diria que a culpa dele é ZERO.
 
O Estado vem de uma crise de décadas, mas que, apesar do ajuste feito entre 2007-2010, ela recrudesceu no período governamental seguinte,  que antecedeu o atual período.
 
Se no primeiro período citado (2007-2010) houve uma conjunção de grande crescimento da arrecadação com contenção de despesa (por isso, a redução drástica dos déficits), no período seguinte (2011-2014) ocorreu o contrário: redução do ritmo de crescimento da arrecadação e aumento desmedido de despesa, especialmente com a folha de pagamento.
 
Esse aumento da folha só foi possível pelos saques de R$ 6 bilhões dos depósitos judiciais, que,  junto com os demais itens do caixa único,  atingiu R$ 7,2 bilhões, em valores correntes. Outros governos também sacaram do caixa único e depósitos judiciais, mas em valores bem menores.
O mais grave, no entanto, não foram os saques em si, mas a criação de despesa permanente com recursos finitos, contrariando uma regra basilar da responsabilidade fiscal.
 
O atual governo recebeu o Estado com a folha de pagamento inflada, porque houve reajustes generalizados, muitos deles a vigorarem, até novembro de 2018, em percentuais que chegam a quatro vezes o crescimento da receita. Por isso, mesmo com grande ajuste, foi gerado um déficit de R$ 4,9 bilhões, em 2015, equivalentes 15,3% da receita corrente líquida.
 
Todos esses reajustes contribuíram também para o aumento da despesa previdenciária, devido paridade que há entre inativos e ativos. No período 2011-2014, a despesa com previdência cresceu 27,2% em termos reais, o equivalente a 6,2% ao ano, quando a receita corrente líquida do período cresceu apenas 2,4%.
 
O que confirma nossa afirmação é o Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais, lançado recentemente pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Nele em 2015 estão na classificação “D”, a pior de todas,  três Estados: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, com dispêndio com pessoal em relação à RCL (critério da STN-PAF ) de 70,6%, 62,8% e 78,0%, respectivamente. Por essa mesma fonte, em 2012 (o primeiro ano da série fornecida), o comprometimento do RS foi de 65,6%. 
Apesar de todo o ajuste que vem sendo feito, não fosse o desconto no pagamento da dívida e a cessão das contas dos servidores ao Banrisul, o déficit chegaria a R$ 5 bilhões em 2016.
 
O que fez o atual governo para enfrenta todo esse déficit?
Tomou as seguintes medidas conjunturais (reflexo imediato):
·      Aumentou o limite de saque dos depósitos judiciais, de 85% para 95%, propiciando um saque de R$ 1 bilhão adicional. Mas isso praticamente foi anulado pelos juros que incidem sobre o saldo sacado dos depósitos, que aumentaram muito em função aumento dos saques.
·      Conteve a despesa de custeio e a folha de pagamento, que só aumentou em decorrência dos reajustes autorizados por lei, citados.
·      Aumentou as alíquotas do ICMS, em 2015, como reflexo em 2016.
·      Antecipou o último vencimento do IPVA de outubro para abril.
·      Alterou o limite dos RPVs de 40 salários mínimos para 10 salários mínimos.
·      Financiou o 13° salário de 2015 pelo Banrisul, pagando no ano seguinte com recursos da cessão do direito de manter da folha de pagamento dos servidores, por dez anos.
·      Repactuou a dívida com a União por mais 20 anos, obtendo descontos de R$ 2 bilhões em 2016, R$ 2,12 bilhões em 2017 e R$ 243,2 milhões em 2018.
·      Conseguiu a antecipação de créditos junto a GM, na ordem de R$ 302 milhões.
Com todas essas medidas, continua atrasando a folha, tamanho era o rombo existente.
Contribuiu também para piora da situação a recessão econômica que quebrou o ritmo de crescimento da arrecadação. O ICMS, o maior item de arrecadação do Estado, mesmo com o “tarifaço” cresceu em 2016, até setembro, 11,6% nominais ou 2.1% reais.
As medidas estruturais (efeitos a longo prazo) foram as seguintes:
·      Manutenção do Fundoprev civil e militar, criado no governo passado, uma medida muito importante no ajuste estrutural do Estado, mas nada garante que haverá recursos para levar avante essa política, por absoluta falta de recursos.
·      Previdência complementar, outra media importante no ajuste estrutural do Estado, que havia sido tentada no período 2007-2010, mas que não mereceu a aprovação da Assembleia Legislativa.
·      Lei de responsabilidade fiscal estadual, talvez a principal medida estrutural.
·      Repactuação da dívida com a União que a partir de 2019 será em torno de 11% da RLR (era 13%), mas com uma característica muito importante: deixa de ser paga em função do limite da receita, não formando mais resíduos. Isso permite que com o passar o tempo o comprometimento da RCL caia, seguindo o comportamento da Tabela Price, cuja amortização é crescente.
·      Alongamento da dívida com o BNDES.
Faltam duas iniciativas sem as quais o Estado não resolve a crise. Uma delas é a reforma da previdência e a outra é a revisão do pacto federativo, mas que, enquanto a União estiver nessa situação, não há como pensar em redistribuir receitas.
 
O grande problema no curto e médio prazo é que quase todas essas medidas conjunturais já não produzem mais efeitos e os descontos da dívida se reduzem sensivelmente em 2018 e deixam de existir em 2019. A prestação ficará menor e decrescente _ conforme já citado _, mas ainda em torno de 11% da receita líquida real.
 
Outro aspecto a destacar é o crescimento da folha de pagamento da Segurança, cujo valor deve ultrapassar o da Educação em 2018, se o governo conseguir receitas extras que permita honrar todos os reajustes concedidos no período governamental anterior.
 
Diante e tudo isso, com tantas medidas curto e longo prazo tomadas, qual a culpa do atual governador? A culpa de não ter divulgado adequadamente a situação recebida, podendo por isso,  passar para história como um mau governador.
 
Sua culpa foi a da omissão. Omissão do esclarecimento adequado à sociedade. Omissão da falta de comunicação, confirmando a frase citada em epígrafe do  velho “guerreiro” Chacrinha: quem não se comunica se trumbica.
Porto Alegre, 25 de outubro de 2016.

 

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