Despesas por funções de governo contraria o senso comum
As funções de governo, cujas despesas mais crescem e que têm maior participação na despesa pública não são as do senso comum. Os gastos que avultam a despesas nacional estão nas funções sociais. Poderão dizer, então não é problema distribuir R$ 53 bilhões mais R$ 4,9 bilhões para emendas parlamentares e fundo eleitoral? É um grande problema, porque essa soma (R$ 57,9 bilhões, corresponde quase 0,6% do PIB. E, em termos absolutos daria para atender muitas outras funções.
Ela corresponde às dotações orçamentárias para 2024 de 28 órgãos federais, somados, ou 55% de todos deles. Corresponde, ainda, à soma das dotações de 13 órgãos de elite, como Senado, Câmara Federal, STF, Superior Tribunal de Justiça, TCU, Banco Central, entre outros. Serviria também para duplicar a dotação para transporte, com grande queda em todos os entes federados, conforme será visto adiante. A bem da verdade, diga-se de passagem, que nem todo o valor das emendas é inútil, no entanto, é aplicado sem o rigor que se exige da boa gestão dos recursos públicos, prestando-se a desvios, malversação e outros males que soem ocorrer na ausência de controle. No entanto, não é esse o objeto deste artigo, mas apenas uma consideração inicial. Seu objeto envolve grandes somas que serão tratadas a seguir.
Vamos aos dados:
Das 28 funções nacionais, selecionamos 11, o correspondente a 98,1% da despesa pública nacional, que aumentou em termos reis 20,5% ou 1,6% anuais nos últimos 12 anos entre 2010 e 2022. Destacamos que essa variação é em função do deflator implícito do PIB, que aumentou 16% acima da variação média do IPCA. Se fosse pelo IPCA, tal variação seria próxima a 40%. Mas como comparamos com o PIB em alguns casos, preferimos adotar o deflator.
É importante notar que a seguridade social (previdência, saúde mais assistência social) corresponderam a 59,5% da despesa federal em 2022. Destes, seis pontos percentuais correspondem ao RPPS da União e pensionistas militares. Se agregarmos mais 15,4% com educação, podemos dizer que 75% ou ¾ da despesa pública nacional vai para essas quatro funções. Daí a sensibilidade que existe a qualquer aumento real do salário-mínimo que só no INSS, incluindo benefícios previdenciários e sociais, abonos, salário desemprego, alcança cerca de 50% de sua despesa. Talvez, pelo fato de o salário-mínimo ter recebido de reajuste nos últimos anos somente a variação do INPC, a despesa com previdência tenha decrescido em termos reais no último biênio (Tabela 1).
Já nos estados e municípios os aumentos da previdência social devem-se aos servidores públicos. As últimas reformas têm segurado um pouco desse crescimento, mas o enorme prazo de transição tem atrapalhado bastante. Além disso, a reforma de 2019 não foi geral, ficando a cargo dos entes subnacionais fazerem a sua parte, o que, nem sempre se concretizou de forma adequada.
Para as mudanças na previdência demora-se demais e, quando se muda, enche-se de exceções ou transições e, logo em seguida, aprovam-se contrarreformas. E isso está nos levando a um “beco” quase sem saída, porque estamos numa transição demográfica acentuada, que está acabando com o bônus demográfico e nos conduzindo ao irreversível envelhecimento populacional.
A assistência social quase dobrou de valor em 12 anos, tendo contribuído muito para isso o enfrentamento da covid-19 e os aumentos excessivos do bolsa família (e auxílio Brasil). Esse enorme crescimento se verificou em todos os entes federados, com destaque para a União (120,9%). A despesa com a saúde cresceu muito, sendo mais nos municípios (50,8%). Da mesma forma a educação, com um crescimento de 52,3% nos municípios. O grande problema é a grande queda na função Transporte (-72,7%) na União; nos estados -8% e nos municípios, – 34,6%. A função Defesa Nacional cresceu 22,7%, na União, talvez influenciada pelos aumentos salariais dos servidores militares.
Outra função que aumentou demasiadamente nos estados e nos municípios foi a “Essencial à Justiça”, com 20,1% e 44,7%, respectivamente. Nos municípios, o valor é reduzido (0,03% da despesa nacional). O que houve foi um alto crescimento dessa despesa, mesmo que ela seja relativamente reduzida face as outras despesas, nos últimos anos. Já quanto aos estados, tem havido grande aumento salarial dos membros do Ministério Público, cuja despesa é alocada nessa função
O Estadão de 14/01/2024 traz uma matéria informando que 47,3% dos promotores e procuradores públicos estaduais ganham acima do teto salarial de R$ 41.600; são 5.300 membros para um total de 11.200 (47,3%), numa despesa anual de R$ 8,3 bilhões. Quase a metade deles chega a receber até R$ 200 mil por mês. O volume de gastos não é tão significativo, porque seu número é reduzido, quando comparado cm os 35 milhões de beneficiários do INSS. ou com o total de servidores públicos das demais áreas. Mas não deixa de ser uma ilegalidade e um absurdo.
Quanto à União, não encontrei qual a razão da queda real da despesa, porque o documento não contém as subfunções para as três esferas governamentais.
Função Transporte
“Governar é abrir estradas”. Este era o lema da campanha eleitoral de 1920 do Presidente Washington Luís. Tomando como verdadeiro este lema, podemos dizer que o Brasil não vem sendo bem governado. Nem vamos retroceder a décadas passadas, quando se investiu muito em Transporte. Ficamos com marco inicial 2010, para seguir a ordem deste estudo. Pois nesse ano, a Função Transporte foi 7,6% da despesa nacional. Em 2022 foi 4,1%. As aplicações caíram no período 72,7% na União, 8% nos estados e 34,6% nos municípios.
Não culpamos só os gestores. É o aumento das despesas com previdência e com juros que retiram os recursos de outras áreas, além de aumentar o endividamento público, na ausência de superávit primário.
Senso comum
As funções que o senso comum considera as responsáveis pelo déficit correspondem a menos de 10% da despesa nacional. São elas a Legislativa, a Judiciária, Essencial à Justiça e a Administração.
Isso não quer dizer que não haja extravagâncias lá. Existem, sim, como a citada acima, mas, no contexto geral, não é o que pesa mais nos déficits. E suas despesas aumentaram mais nos estados e nos municípios, embora nesses últimos a Judiciária e a Essencial à Justiça sejam pouco significativas.
Despesa por entes federados
Os entes federados apresentaram um aumento de gastos em 12 anos que, atualizados pelo deflator implícito do PIB para 2022, consta da Tabela auxiliar abaixo, que resume as tabelas 2 a 4, adiante tratadas.
Nesse período, a despesa aumentou R$ 605.974 milhões em valores de 2022 ou 6,1% do PIB. Esse valor seria bem maior se a atualização fosse pelo IPCA. Por incrível que pareça, o maior aumento de despesa ocorreu nos municípios, com 2,6% do PIB, seguido da União, com 2,2% e dos estados com 1,3%, totalizando 6,1% do PIB.
As Tabela 2 a 4 explicam toda a variação ocorrida no período 2010-2022, por ente federado, em milhões de reais constantes e participação no PIB de cada função.
Encargos especiais, despesa ajustada e juros nominais
Na análise de funções não poderíamos deixar de fora uma função que corresponde a 43% da despesa bruta total. Estamos nos referindo aos “Encargos Especiais”, onde são registrados os refinanciamentos da dívida, no caso da União, o serviço da dívida e as transferências da União a estados e municípios e dos estados para esse últimos. Desse grupo apenas o serviço da dívida é propriamente despesa.
Os demais itens são duplas contagens entre esferas de governo ou contrapartidas de empréstimo contraídos na rolagem da dívida, que corresponde à troca de títulos vencidos por vincendos. Isso provoca confusão na cabeça dos leitores, que devem se questionar como pode a despesa nacional ser da ordem de 6,3 trilhões, quando o PIB foi de R$ 9,9 trilhões, ou seja, 63,6% dele, sendo que a carga tributária (a quase totalidade da receita), correspondente a pouco mais de 33%, ou seja a metade (Tabela 5).
Na realidade os juros nominais apropriados ao setor público (apropriados, porque a maioria é rolada) foram em 2022 na ordem de 586,4 bilhões, correspondente a 18,5% dos Encargos Especiais. Eles cesceram muito, mas se mantiveram em torno de 5% do PIB, com algumas oscilações, sendo a máxima em 2015, quando alcarnçaram 8,4% (Tabela 6).
REFERÊNCIAS
Jornal Estado de São Paulo – Estadão. Matéria de 14/01/2024. Quase metade dos procuradores rompe teto salarial de R$ 41,6 mil. Disponível em:
SANTOS, Darcy Francisco Carvalho dos. Orçamento Federal para 2024 nada animador. Disponível em:
STN – Balanço do Setor Público Nacional
Disponível em:
Tabelas auxiliares do cálculo por ente federativo e cálculo do Deflator Implícito do PIB – em poder do autor.
BANCO CENTRAL DO BRASIL – Tabelas especiais. Disponível em: