Crise do Estado: a verdade esclarecedora

O Senhor ex-governador  Tarso Genro publicou no jornal Zero Hora de 6 do corrente um artigo intitulado “Crise do Estado: Sinceridade Esclarecedora”, do qual tenho muitas divergências, que passo a comentá-las.

Em primeiro lugar quero esclarecer que a crítica maior do artigo foi ao Senhor  vice-governador com quem não mantenho nenhuma relação de amizade, apenas o conheço,   por suas aparições públicas.

Sendo eu um estudioso das finanças do nosso Estado (o que não quer dizer um conhecedor), julgo-me no dever de fazer esta contestação. Vamos aos fatos:

  1. O governo que findou em 2014, do Sr. Tarso Genro,  deixou para o governo do Sr. Sartori  um orçamento com um déficit de R$ 5,4 bilhões. Embora com R$ 2,8 bilhões identificados, as superestimações de receitas e as subestimações de despesas conduziam ao primeiro valor. Na época denunciei esse fato em artigo publicado no jornal Zero Hora, que foi confirmado por técnicos do Estado posteriormente, e comprovado na prática pelo déficit de R$ 4,9 bilhões no balanço,  quando do encerramento do exercício, a despeito dos ajustes feitos.
  2. No período de 2011-2014 foram concedidos reajustes salariais, mesmo que justos na maioria dos casos, mas totalmente incompatíveis com as finanças estaduais, de forma que a folha de pagamento dobrou, ao passar de R$ 10,5 bilhões em 2010 para 27 bilhões em 2017. Parte desse acréscimo,  R$ 5,5 bilhões,  ocorreu no governo atual, mas decorrente dos citados reajustes.
  3. Esses reajustes, embora aprovados pelo legislativo estadual, contrariaram frontalmente a lei de responsabilidade fiscal, especialmente seus artigos 15 a 17,  porque criaram despesas permanentes, contando com recursos finitos, de modo especial, os depósitos judiciais.
  4. No tocante aos depósitos judicias, em valores atualizados, no período 2011-2014 foram sacados R$ 7,337 bilhões, 2,24 vezes o valor sacado no governo que lhe sucedeu,  até outubro/2018, R$ 3,274 bilhões.
  5. No período 2011-2014 foram pagos de conversão de URV para Real a importância atualizada de R$ 841 milhões, o equivalente a  2,75 vezes a soma do que foi pago no governo anterior e no posterior, na ordem de  R$ 305 milhões, apesar dos enormes questionamentos que envolvem essa despesa, inclusive com posição contrária do CNJ.
  6. O ex-governador Tarso fala na redução dos servidores da Segurança. Pois, segundo o Tribunal de Contas, os cargos vagos em 2012 eram de 37,7% na Polícia Civil e 32,9% na Brigada Militar e foram para 49,3% e 49,1%, respectivamente em 2016. No entanto, no período governamental 2011-2014 a proporção do aumento foi  muito maior, porque essa vacância alcançava em 2014 45,3% e 42,5%, respectivamente (PP-TCE, 2016,  p.137 e 140).
  7. É preciso que se diga que a partir de 1999 o Estado estava se ajustando, como bem comprova o gráfico da margem para investir,  no final.  A margem para investir é o que “sobra” para fazer investimentos depois de deduzidas as demais despesas. Ela alcançou 6,9% da RCL em 2010, baixando para 6,7% (negativa) em 2014 e descendo para -13,1% (negativa) em 2015, mas devido às despesas excessivas criadas do governo precedente.
  8. A dívida estadual, em valores constantes pelo IGP_DI,  cresceu 14% entre 1999 e 2014, sendo 8,5% no período 2011-2014 (em quatro anos, 60% do total de 19 anos) e, ainda,  utilizou toda a margem de endividamento existente em 2010.
  9. O ex-governador fala em R$ 22 bilhões que o governo atual perdeu nos indexadores. Não sei de onde saíram esses dados, mas posso afirmar que o acordo de 2016, bastante favorável ao Estado, deixou de ser cumprido pela absoluta impossibilidade de pagar as prestações da dívida, em decorrência do déficit recebido que, diga-se de passagem, foi potencializado pela queda da receita, que cresceu em 0,2% ao ano em termos reais neste governo.  No período anterior, o crescimento  também foi baixo, mas a media anual foi de  2,4%. Essa queda de receita decorreu da recessão econômica cuja culpa não foi do governo estadual.
  10. Quanto aos investimentos,  é verdade que foram maiores no período 2011-2014, mas não muito. No período 2011-2014 alcançaram R$ 5.5 bilhões e no atual,  até outubro/2018,  R$ 4,4 bilhões, tudo em valores constantes. Mas há o outro lado da questão: O governo do período 2011-2014 contou com  R$ 4 bilhões a mais dos depósitos judiciais e com R$ 4,5 bilhões a mais de operações de crédito (R$ 5 bilhões para R$ 570 milhões no  governo Sartori).  E isso foi possível porque o governo que findou em 2010 deixou margem para de endividamento de 14% da RCL (já citada), margem essa que o atual governo recebeu zerada.
  11. Duas coisas boas ocorreram no período 2011-2014,  mas que não poderão ser desfrutadas. A primeira é o plano de previdência em capitalização, que elogiei na época. No entanto, os déficits impedem de cumrpri-lo, porque o governo terá que abrir mão da contribuição  dos servidores,  de 14% e, ainda, recolher para o Fundo mais 14%. Isso equivale a um reajuste de 28% aos  servidores entrantes. A outra é o início das renegociações que deram origem ao acordo da dívida de 2016, que foi acrescido de descontos no pagamento da dívida em 2016 e 2017, mas que também não pode ser cumprida em decorrência dos déficits.
  12. Quanto ao aumento de impostos, concordo com o ex-governador:  não devemos fazê-lo. Mas o imposto é consequência dos gastos excessivos. Se não queremos aumentar  impostos, devemos respeitar  a responsabilidade fiscal.

O Senhor ex-governador, Tarso Genro,  não me queira mal, como também não  o quero mal. Mas  desculpe-me, o Senhor está sendo enganado ao fazer todas essas afirmações. No entanto, não serei eu, nem o Senhor que irão julgar o seu governo,  mas a História. Os fatos históricos, como as obras de arte só podem ser julgadas quando aqueles que deles participaram já não estão mais presentes. Mas tenho certeza que a História saberá fazer o julgamento preciso de seu governo no momento propício.

NOTA: Este texto foi publicado em 09/12/20118, mas foi reeditado em 7/3/2019, diante da matéria publicada na Zero Hora de 6/3/2019. Fiz algumas modificações, porque a expressão governo anterior agora passa a ser o Sr.Sartori,  e atual, o Sr. Eduardo Leite.

5 comments

  1. UBIRATAN STEFFEN BUSATO

    Excelente a análise do Bacharel Darcy. De suma importância para entendermos o que ocorreu no gov. Tarso, que enterrou mais ainda as finanças do RS. Temos tido governos populistas, que só pensam na reeleição, e o povo que paga a conta não é respeitado e valorizado. Chegamos ao nível de expulsão de uma fábrica de automóveis como a FORD. Precisamos de governantes administradores e competentes. Estados que são governados por comunistas/socialista, a tendência é o sucateamento, como ocorreu com Cuba, Venezuela e outros países com a mesma ideologia.

    1. Darcy Francisco Carvalho dos Santos

      Obrigado, Ubiratan. Não tenho partido, apenas procuro defender o que acho certo. O governo Tarso fez voltar os déficits que estavam sendo reduzidos, adotando a velha política que gerou déficits por décadas. Fez dobrar a folha de pagamento, gerando despesa permanente, tendo apenas recursos finitos para custeá-la. Obrigado pela participação.

  2. carlos alberto beschorner

    Sr. Darcy:

    Sempre presto atenção nas suas análises, técnicas e precisas.
    Quem consegue perceber além do seu nariz, se interessando por dados e informações e menos por ideologia sabe as origens da crise do Estado.

    Parabéns!

    Carlos Alberto Beschorner
    Porto Alegre

    1. Darcy Francisco Carvalho dos Santos

      Obrigado, Carlos Alberto. Aquele gráfico no final mostra que o Estado vinha se ajustando até 2010, quando a situação inverteu-se. É claro que há outros fatores, como a despesa previdenciária e recessão econômica, que reduziu a receita. Mas o principal fator foi a irresponsabilidade fiscal.

  3. Flavio

    Muito bom,sr. Darci. Apesar de que falar pra socialista e como falar para a uma porta. Nada eles assumem como erros seus,a culpa é sempre dos outros.

    E como o sr. está vendo as primeiras movimentações do novo governo estadual a respeito das finanças públicas?

    https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/rosane-de-oliveira/noticia/2019/01/governo-do-estado-confirma-pagamento-de-completivo-para-professores-que-ganham-abaixo-do-piso-cjqy5d7ia00c201qe6bqe4bcy.html

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