Crescimento da dívida estadual: uma meia verdade
Diz um provérbio chinês que a meia verdade é a maior das mentiras. E essa assertiva pode ser aplicada a um vídeo que circula nas redes sociais, sobre o quanto cada governador aumentou da dívida.
Não temos procuração para defender o governo Brito e nem porque fazer isso, mas nos julgamos no dever de colocar a verdade no seu devido lugar.
De fato, se olharmos a variação do saldo devedor da dívida em cada período governamental, o governo citado, foi o que gerou maior crescimento, 122% para um total de 2.636% no período 1970-1998.
Esse crescimento, no entanto, não decorreu de irresponsabilidade fiscal, mas de dois fatores exógenos. O primeiro foi explosão dos juros reais na década de 1990, numa média 23% ao ano. E o segundo foi a operação Proes, mais de R$ 14 bilhões em valores atuais, que salvou o sistema financeiro que estava quebrado.
Mas foi a renegociação da dívida com a União feita pelo citado governo que mudou o crescimento exponencial da dívida, de uma taxa média de 12,5% ao ano entre 1970 e 1998, para apenas de 0,7% após 1999. Depois da renegociação de 1998, o período de maior crescimento da dívida foi o de 2011-2014, quando foram realizadas operações de crédito em montante superior a R$ 5 bilhões, em valores atualizados, implicando um crescimento de 8,5% sobre o saldo devedor do final do exercício anterior (tabela).
No entanto, o saldo devedor deveria ter decrescido daí em diante, o que não ocorreu porque foi estabelecido um limite de pagamento das prestações de 13% da chamada receita líquida real, que acabou deixando de fora parte da prestação da dívida renegociada, do Proes e de cinco operações pré-existentes. Além disso, o indexador da dívida, o IGP-DI, descolou-se da inflação, crescendo quase 40% acima dela, tornando a dívida impagável.
Com isso, em 1999, os resíduos foram 53% da prestação calculada, formando numa média de 28,2% até 2014, quando deixaram de existir. Sobre esses resíduos passou a incidir juros e correção monetária, porque passaram a integrar o saldo devedor da dívida.
Os resíduos foram formados pela prestação principais da dívida, que foi reduzida pela alteração dos critérios de cálculos da receita real líquida em 1999, antes semelhante à RCL, passou a ficar em torno de 70% dela. Além disso, ficaram como intralimite cinco negociações anteriores (Contrato nº 014/98/STN/COAFI, cláusula quinta, parágrafo segundo, itens I a VII). Para completar, o IGP-DI cresceu mais de 35% acima do IPCA até 2016. No entanto, a varição de 1998, de 1,7%, foi igual para ambos. Para ver a formação do resíduos e sua participação na prestação calculada, clique aqui. Resíduos da dívida
Outro detalhe desconhecido foi que em 28/11/2011, a União assumiu a dívida consolidada do IPE, que ficou como intralimite. Isto é, as prestações decorrentes, em vez de sem pagas, se somaram aos resíduos da dívida. Em termos de hoje, esse valor assumido foi de R$ 1,2 bilhão (PP.TCE, de 2002, p.173).
A taxa de juros passou a ser excessiva. Mas foi a renegociação o que salvou os estados do colapso financeiro inevitável, ao trocarem uma taxa de juros de mais de 23% pela variação do IGP-DI mais 6% (7,7% em 1998).
No entanto, as condições mudaram. Por isso foi boa a renegociação ocorrida em junho/2016, que mudou o indexador para IPCA, a taxa de juros para 4%, dilatou o prazo por vinte anos e desvinculou a prestação da receita. Só foi atrasada em mais de uma década. A situação financeira do Estado é que não permite cumpri-la. Daí a necessidade de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que não é uma panaceia, mas é a único maneira de evitar o colapso total das finanças estaduais. Sem ele, o Estado quebra inevitavelmente. Como o RRF, pode se safar no médio prazo.
O ideal seria não ter deixado o Estado chegar à situação em que chegou. Mas os que hoje são contra o RRF, no passado nunca reclamaram dos saques excessivos do caixa único, do esgotamento dos depósitos judiciais (em que um só governo sacou mais de 73%, até então), dos pagamentos indecorosos da conversão de URV para Real, dos reajustes salariais incompatíveis com as finanças estaduais, entre outros malefícios.
É a demagogia em ação. Mas dizia José Ortega Y Gasset que os demagogos têm sido os grandes estranguladores de civilizações. E agora, como na época de Gasset, não é diferente.
Artigo publicado no Jornal do Comércio em 23/11/2017.