Propostas de mundanças na previdência estadual
Para analisar as propostas do governo estadual é necessário, em primeiro lugar, entender alguns conceitos básicos de previdência social, como regimes financeiros e planos de benefícios. Os principais regimes financeiros são: repartição simples e capitalização, podendo-se acrescentar o misto que é uma combinação de ambos. E os planos se benefício são: benefício definido e contribuição definida, podendo ser também contribuição variável.
O regime de repartição simples ou corrente ou simplesmente repartição é aquele em que os atuais trabalhadores pagam os benefícios dos que já estão aposentados, ao mesmo tempo em que esperam receber o mesmo tratamento dos trabalhadores futuros. É a denominada solidariedade entre as gerações.
Já no regime de capitalização, o próprio beneficiário contribuiu para sua aposentadoria, cujo valor mensal junto com a contribuição do empregador é aplicado no mercado financeiro, formando um montante de que o servidor passará a dispor durante sua inatividade.
O mais adotado no mundo inteiro, no entanto, é o regime de repartição simples, que apresenta um inconveniente com o passar do tempo, que é a redução do número de contribuintes em relação ao de aposentados, por diversas razões, sendo a principal o aumento da longevidade. Por isso é que a idade para a obtenção da aposentadoria nos países mais velhos está aumentando cada vez mais, atingindo 67 anos em alguns casos, para ambos os sexos.
Como a contribuição previdenciária do servidor é de 11% e a do Estado pode ser até o dobro, segundo a Lei 9.717/98, o total das contribuições (real e virtual) é de 33%. Com isso, fica claro que são necessários em torno de três servidores ativos para cada um aposentado ou pensionista. Quando isso não ocorre, a mesma lei estabelece a obrigatoriedade do Poder Público complementar o valor do benefício. Atualmente no Estado, a despesa com servidores ativos é de R$ 0,88 para cada R$ 1,00 com inativos e pensionistas. Ou, dito de outra forma, R$ 1,14 dos inativos para cada R$ 1,00 dos ativos. Isso atesta o total desequilíbrio.
Considerando a despesa previdenciária total de R$ 6,8 bilhões, a contribuição existente de R$ 700 milhões cobre apenas 10,3%. O aumento de R$ 200 milhões esperado na proposta do governo a aumentará para R$ 900 milhões, o que representará 13,2%, portanto, um acréscimo de 3,2 pontos percentuais ou 28,6% nas contribuições recebidas.
Na situação atual, para atingir o equilíbrio, necessitaria passar a contribuição dos servidores para o exagero de 33,3%, portanto um aumento de 223%. E mesmo assim o Estado ainda continuaria com a obrigação de colocar 66,6%. Então, o problema está no modelo, que necessita ser modificado. E como não dá para alterar para os atuais servidores, a solução está em modificar para os novos servidores.
Nesse sentido, a proposta de criação de fundo previdenciário deve ser bem aceita, mais do que isso, deveria ser reivindicada por todos os cidadãos preocupados com o futuro de seu Estado. O argumento de que os governos lançam mão nos fundos não cabe. Tudo é uma questão de estabelecer mecanismos impeditivos na legislação, com previsão de penalidades rigorosas, mantendo a administração do fundo longe do alcance da Secretaria da Fazenda.
A alegação de que os governadores Britto e Yeda utilizaram os fundos criados não cabe, pois não se tratavam de fundos feitos de forma sistemática com contribuição dos servidores, mas de reservas feitas com recursos oriundos de venda de patrimônio, que acabaram sendo utilizados em investimentos, em cuja redução tiveram origem. Não havia também uma legislação específica que impedisse essa destinação.
Há ainda os que combatem o fundo porque servirá para financiar as empresas. Mas se isso proporcionar retornos ao fundo, qual é o problema? Afinal, não está na receita das empresas o fator gerador do ICMS que permite que o Estado cumpra com suas funções, inclusive pagar os servidores? Todo servidor público deveria propugnar pelo crescimento das empresas, pois só assim teria arrecadação para lhe pagar uma remuneração melhor.
O que o governo Tarso está propondo é até um retrocesso, se comparado com o que dispõe a Constituição e o que propuseram ou estão propondo os três últimos governos federais: FHC, Lula e Dilma, que é criação do regime de previdência complementar para as remunerações superiores ao teto do RGPS, hoje em R$ 3.690,00.
O regime de previdência complementar não tem nada a ver com privatização da previdência, porque é de natureza pública, conforme dispõe o artigo 40, § 15, da Constituição Federal, conforme abaixo:
§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) (Grifei).
O modelo da Constituição Federal estabelece dois regimes financeiros, a saber:
a) Para os que ganham até o teto do RGPS, atualmente em R$ 3.690,00, em regime de benefício definido, podendo ou ser em repartição ou em capitalização;
b) Para as remunerações acima do teto citado, em regime de contribuição definida e em capitalização.
No regime de benefício definido, a contribuição do Estado pode ser até o dobro da do servidor, permanecendo a obrigação de complementar o que faltar para o pagamento do benefício, conforme já referido.
No regime de contribuição definida, a obrigação do Estado não pode ser maior que a do servidor e não necessita ser 11%. Tanto a proposição do governo federal como a do Estado do RS, nos projeto de lei respetivos, foram de 7,5%.
O que o governo estadual está propondo é um fundo previdenciário em que deixa todos os servidores (novos) no regime de benefício definido, independente da remuneração recebida. A contribuição é de 11% para ambos, comprometendo-se o Estado em complementá-la, conforme dispõe o Art. 17 do projeto de lei 189/2011.
Mesmo que as contribuições citadas (11% mais 11%) não possibilitem o equilíbrio atuarial, é muito melhor ao conceder a aposentadoria,o Estado dispor uma percentagem do valor do benefício do que não dispor de nada. Se há 40 anos tivesse sido criado um fundo que possibilitasse hoje pagar a metade das aposentadorias, o Estado disporia de R$ 3,4 bilhões para investimentos! Ou, alternativamente, recursos para cumprir a lei do piso salarial do magistério!
Portanto, a palavra de ordem deveria ser aprovar a proposta de criação do fundo previdenciário, propondo todas as medidas necessárias para seu funcionamento ideal. Quanto ao aumento da contribuição, não posso ser contra porque sou parte interessada, mas seu efeito nas finanças públicas é praticamente nulo.
Mas não é só isso que impõe a criação de um fundo de capitalização. O país passa por um processo de transição demográfica em que ocorre um processo acelerado de envelhecimento da população. Em 1980 havia 9,1 pessoas com mais de 60 anos para uma na faixa de 16 a 59 anos (idade produtiva). Em 1910 essa relação estava em 6 por um, devendo chegar em 1,9 (menos de 2) por um em 1950!
Em tudo isso a crítica que cabe ao governo é quanto à afirmativa de que precisa aprovar essas medidas para equilibrar as finanças ou coisa desse tipo, o que é totalmente inverídica. Uma das propostas, o fundo previdenciário, é boa, embora pudesse ser melhor, mas seu efeito será em décadas. A outra, o aumento da contribuição, é praticamente nulo em relação aos objetivos a que se propõe.