Abrindo a caixa preta da dívida estadual (I)

O total da dívida do Estado, entre flutuante (de curto prazo) e fundada ou consolidada (de longo prazo), em dezembro de 2010 era de R$ 54,4 bilhões, sendo a flutuante R$ 8,6 bilhões e a fundada R$ 45,8 bilhões. Em termos relativos, a dívida consolidada correspondia a 2,14 vezes a receita corrente líquida do ano citado, depois de representar 2,73 vezes em 2001. A maior parte da dívida de curto prazo, no valor de R$ 7,05 bilhões, era formada pelos saques do caixa único e depósitos judiciais.

A dívida fundada é composta principalmente da dívida por contratos, tendo a participação de 10% dos precatórios judiciais. A maior parcela da dívida por contratos é formada pela dívida com a União, que faz parte da renegociação ocorrida em 1998, que englobou quase toda a dívida pré-existente em títulos e parte da por contratos.

A dívida com a União pertence à categoria intralimite (cujo pagamento está limitado à receita) e atingia no final do ano passado a cifra de 31,9 bilhões. Já a dívida extralimite é formada por alguns contratos que ficaram fora da renegociação citada e outras operações posteriores, com destaque para os empréstimos com organismos internacionais.

Parte dessa dívida extralimite foi rolada pelo governo passado, com recursos de empréstimo junto ao BID, sob condições bem mais favoráveis que as dos contratos originais, o que provocou alguma redução do serviço da dívida.

Junto com a renegociação de 1998 foi contraído o empréstimo do Proes, cujo valor em termos atuais corresponde a cerca de R$ 9,5 bilhões. Os recursos desse empréstimo foram utilizados na liquidação da Caixa Econômica Estadual e no saneamento financeiro do Banrisul, que naquele ano apresentara um prejuízo próximo a R$ 2,4 bilhões, em valores de hoje.

A dívida total do Estado passou de R$ 1,5 bilhão em 1970 para R$ 40,4 bilhões em 1998, com a inclusão do Proes, tendo daí em diante permanecido mais ou menos estável. Em outros termos, entre 1970 e 1998, durante 28 anos, ela cresceu 27,4 vezes em termos reais. De 1998 a 2010 cresceu 1,6%, mas deveria ter decrescido, o que não ocorreu pelas razões a seguir expostas.

A renegociação com a União, objeto de tantos questionamentos, foi feita em condições favoráveis para a época, com juros de 6% ao ano ( taxa selic real da época: 26,64%), correção monetária pelo IGP-DI e pagamento em 360 prestações mensais (30 anos), calculadas pela Tabela Price. Foi estabelecido, ainda, que a prestação da dívida renegociada em 1998, junto com outras de renegociações anteriores ficariam como intralimite, isto é, com o pagamento limitado a 13% da receita líquida real (RLR), ficando o excedente como resíduos.

O alto valor das prestações devidas tornou os resíduos expressivos desde o início e, em 2009, decorridos dez anos do acordo, ainda representam mais de 20% das prestações calculadas. Pelo acordo, deverão ser pagos em 120 prestações mensais nas mesmas condições do acordo original, a contar do seu prazo final.

Os resíduos tiveram ainda sua situação agravada por fenômenos subseqüentes. Em primeiro lugar, visando reduzir o serviço da dívida, foram retirados da RLR alguns itens (que a tornaram bem menor que a RCL), o que aumentou os mesmos. O indexador da dívida, o IGP-DI, que variara no mesmo percentual do IPCA em 1998 (1,7%), cresceu 35% acima dele até 2010. Os juros, que para a época, eram normais, hoje podem ser considerados altos, diante das taxas internacionais.

O resultado disso foi o crescimento dos resíduos, ao ponto de em 2010, eles corresponderem a R$ 14,9 bilhões numa dívida de R$ 31,9, ou seja, 47%, devendo ultrapassar o valor principal em mais dois anos.

A finalidade do acordo da dívida era reduzir a relação dívida/receita, o que está acontecendo num ritmo muito menor que o esperado, que decorreu de fatos subseqüentes, o que pode ser caracterizado como um desequilíbrio econômico-financeiro do acordo. Diante disso, somente a alteração deste último conduz ao cumprimento de seu objeto.

A renegociação que se impõe visa à redução do saldo devedor da dívida, com reflexos na prestação em médio prazo, mas dependendo das condições em que ela for feita pode reduzir também a prestação imediatamente. Não adianta reduzir os pagamentos atuais se não se mexer nas causas que elevam o saldo devedor, como o indexador inadequado e também as taxas de juros, altas para o momento atual. A mudança de indexador deve ser retroativa à data do acordo. A simples redução do limite de 13% da RLR seria empurrar o problema com a barriga.

O serviço dívida total (amortização mais encargos) está entre 10 e 11% da receita corrente líquida, considerada como tal a parcela da receita corrente que efetivamente pertence ao Estado (menos as transferências aos municípios). Em 2009 ele representou 11,4%, sendo a intralimite 9,1%. Atualmente, o valor despendido está em torno de R$ 2,4 bilhões anuais, sendo 80% desse valor decorrente da dívida com a União, mesmo que mais de 20% da prestação ainda fique como resíduo, conforme já referido.

O acordo da dívida foi o que salvou os estados do iminente colapso financeiro, mas pode e deve ser modificado para se ajustar às situações cambiantes. Nos próximos artigos passaremos a desenvolver o tema enfocando outros aspectos, como origem da dívida, causas de sua expansão e a situação dos outros estados, etc. Por enquanto, fiquemos por aqui.

 

Publicado também no Jornal Sul21.


[1] Contador e economista.

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