Déficit contábil versus déficit real
A contabilidade pública classifica as operações de crédito (empréstimos) como receita. E, como o resultado orçamentário do exercício é medido pela diferença entre receita e despesa, o déficit contábil pode ser reduzido ou eliminado conforme seja o montante de empréstimos contraídos.
Toda vez que a despesa total do exercício for superior a receita corrente (ordinária), temos um déficit real. Os empréstimos devem ser destinados aos investimentos, quando não houver margem para isso nas receitas correntes, o que acontece com a maioria dos Estados brasileiros.
O que não se deve é custear despesas correntes, incluindo as prestações da dívida, com recursos de empréstimos, como está fazendo o Estado do RS, que poderá financiar assim 2/3 do déficit real deste ano.
Essa afirmação decorre do fato de o Sr. Secretário da Fazenda ter dito em mais de uma oportunidade que o déficit estadual em 2014 será de R$ 1,5 bilhão. Como até agosto já está em R$ 3,5, deve superar R$ 4 bilhões no exercício (RREO, 4° bimestre de 2014). Somente as operações de crédito, que em setembro e outubro representaram R$ 1,2 bilhão, e outras que deverão ingressar, podem explicar essa redução de déficit (contábil).
E aqui há uma sutileza. Se um estado ou município utilizar recursos de empréstimos para aplicar no custeio é porque as receitas ordinárias foram insuficientes para isso.
Dinheiro oriundo de empréstimos, por ser um recurso finito, só pode ser utilizado em investimentos, por ser também uma despesa finita. Utilizar recursos eventuais para financiar despesa permanente é como tapar um vazamento com a mão: basta retirá-la para que a água volte com mais força ainda. É como se na vida pessoal financiarmos as despesas do dia-a-dia em prestações mensais. Logo teremos que pagar com recursos do salário as mesmas despesas diárias mais as prestações da divida assumida anteriormente.
Por políticas como essa é que o Estado do RS chegou no atual endividamento. Durante décadas financiou déficits com recursos de empréstimos. Mas essa política, que havia acabado em 1988 em função de dispositivo constitucional, foi retomada agora.
Os déficits do futuro governo serão ainda maiores e os recursos extras que vêm sendo utilizados no seu financiamento, como os depósitos judiciais, estarão com seu estoque zerado, restando apenas o diferencial entre os novos ingressos e as despesas pertinentes. Além disso, os limites de endividamento estarão zerados ou bastante reduzidos, conforme demonstra estudo publicado neste blog em 10 do corrente sob a denominação “Nova renegociação da dívida traz muito pouco espaço fiscal no curto prazo”. Isso seria a saída para algum investimento.
A pergunta que resta é como será administrado o Estado nos próximos anos, quando estará esgotado o estoque dos depósitos judiciais e a margem de endividamento reduzida ou nula?
Porto Alegre, 23 de novembro de 2014.
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