Arcabouço fiscal: louvável na ideia, um sonho na prática

O arcabouço fiscal contém o grande mérito que precisa ser louvado, que é a contenção de gastos, quando isso antes era desdenhado.

Mas daí a concretizá-lo vai uma grande diferença. A menos que exista alguma carta escondida, as proposições do arcabouço fiscal são parecidas com aquela passagem do Gênesis, quando da criação do mundo, em que Deus teria dito: “Exista a luz e a luz existiu”.

Porque isso? Porque os gastos primários (que excluem os juros), entre 1991 e 2016 (quando da implantação do teto de gastos) cresceram, em média, 0,4 ponto percentual ao ano acima da variação do PIB. Então, como de uma hora para outra, vão passar a crescer somente 70% do crescimento da receita (um proxy da variação do PIB), ainda mais depois da criação de tantas despesas novas e de mais 14 ministérios?   A criação de ministérios, mesmo que seja uma redistribuição de funções, sempre cria despesas adicionais.

Somente um grande crescimento da receita, como seria o decorrente de  um novo “boom das commodities”, como o que ocorreu entre 2003-2011,   poderia possibilitar isso, mas, assim mesmo, despesas vinculadas a ele (o crescimento) ou ao PIB, como educação e saúde, ficaram de fora do limite citado e, como são vinculadas, crescerão com a receita. Outra possibilidade seria um aumento de arrecadação do Imposto de Renda, mas metade de seu valor, assim como do IPI, não pertence ao Governo Federal.

Mas a recomendação do Presidente Lula foi: “colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda”.

Na busca desse objetivo, ele determinou o aumento real do salário-mínimo, de acordo com a variação do PIB de dois anos antes, como era feito nos governos passados de seu partido.

No entanto, por mais louvável que seja socialmente,  o aumento do salário-mínimo é um fato que pode inviabilizar o plano fiscal, tantas são as despesas vinculadas a ele. Como pedra atirada, que não volta, reajuste concedido ou garantido por lei não pode ser negado. Por isso, tanto o limite mínimo, quanto o máximo pode ser difícil de cumpri-los, diante da rigidez da despesa. Não dá para dizer ao beneficiário que seu reajuste não poderá ser pago devido aos limites estabelecidos no plano fiscal.

 O limite de crescimento da despesa em 70% do crescimento da receita é muito difícil, para não dizer impossível. O número de benefícios previdenciários emitidos nos últimos 20 anos, cresceu 3,1% ao ano. Se acrescermos o reflexo de um crescimento de 2% do PIB (média dos últimos 20 anos), composto por 50% de benefícios de um salário mínimo,  teremos um aumento real da despesa do INSS e demais benefícios,  de cerca de 4%. Isso representa mais de 2% da despesa total. Se para cumprir esse dispositivo, for negada a variação da inflação ou parte dela, o governo estará dando com uma mão e tirando com outra.

A despesa com Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social) corresponde a 80% da receita líquida do governo. O salário-mínimo tem grande influência  nessa  despesa, que cresceu 3% reais nos últimos 12 anos (2010-2022), a despeito de todas as carências no atendimento à saúde e  das as tantas mazelas sociais de nosso País.

Com o passar os anos, quando cessarem os períodos de transição e os efeitos da reforma da previdência se fizerem sentir, esse crescimento vegetativo deverá cair, quando cederá lugar aos reajustes reais do salário-mínimo. É o que esperamos.

 

1 comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*
*