Minha visão do Rio Grande
Sob este título a Zero Hora vem publicando uma série de artigos em que são expressas opiniões de lideranças políticas, empresariais e sindicais, respondendo a pergunta “O Rio Grande tem saída? Como?. Coincidentemente o título da pergunta é igual ao do livro que lancei no ano passado, contando com a participação de mais três colegas. Como não pertenço a nenhuma das categorias citadas, razão por que não serei convidado a opinar, resolvi deixar nesta página minha opinião.
Apesar do Estado do RS ter uma economia sólida, 35% maior que as economias da Bolívia, Paraguai e Uruguai, somadas, atravessa grande crise em suas finanças públicas.
Essa crise vem, no mínimo, de quatro décadas, mas a partir do acordo da dívida de 1998, o Estado passou a se ajustar. No período governamental de 2007-2010 os déficits foram quase zerados, fruto da combinação de contenção de despesa com o aumento da receita, especialmente a do ICMS. Esse aumento teve origem no crescimento econômico da época _ que decorreu basicamente do “boom das commodities” _ e da expansão do mecanismo da substituição tributária.
No entanto, no governo passado foram criadas despesas que superaram em muito a capacidade financeira do Estado em atendê-las. Foram concedidos reajustes salariais parceladamente, desde 2013, com os maiores percentuais a vigorar a partir de novembro de 2014, com reflexos no período governamental seguinte. Muito desses reajustes foram estendidos até novembro de 2018.
Tendo caído a receita ordinária, ele a compensou com receitas eventuais, como depósitos judiciais, caixa único e empréstimos, esgotando a margem de endividamento, de 15%, que recebera no início de seu período. Também esgotou o estoque de depósitos judiciais e o caixa único, com que pagou as parcelas relativas a seu período dos reajustes citados. Com isso, criou despesas de caráter continuado sem que existisse recursos com essa natureza, transferindo para o governo seguinte despesa sem receita para seu custeio, formando um déficit crescente, superior a R$ 5 bilhões. Tudo isso em desacordo com o artigo 21, combinado com os artigos 16 e 17 da lei de responsabilidade fiscal.
E para piorar a situação, a arrecadação não está crescendo, em virtude da crise econômica nacional. Então, o Estado enfrenta uma tríplice e nefasta combinação de causas históricas, política salarial equivocada do governo anterior e crise econômica.
Mesmo que fossem beneficiadas categorias que precisavam ser melhor remuneradas, os reajustes concedidos e a adoção do sistema de subsídios com a alta dispersão salarial nos planos de carreira serão insuportáveis para as finanças estaduais.
O PIB do RS vem crescendo menos que o do País. Nos últimos quinze anos, a taxa média foi de 2,7% para 3,3%, respectivamente. Nem por isso o ICMS deixou de crescer entre 1999 e 2014 5,3% ao ano, superando a inflação do período em 116% e em 46% a variação do PIB estadual respectivo. A RCL que é formada também por outras receitas, entre elas as transferências federais, cresceu menos, mas num percentual real anual significativo, de 4,6%.
Então, parece que a causa da crise não está na arrecadação. O grande problema estadual é a folha de pagamento e nem tanto pelos servidores ativos, que ganham pouco na sua maioria, embora haja uma casta muito bem remunerada, tanto de ativos como de inativos e pensionistas.
O grande problema estrutural do Estado é a previdência pública, com um dispêndio líquido de R$ 9,6 bilhões, 31% da receita corrente líquida, quase um terço. Além disso, sua evolução é alta e crescente, quanto mais se reduzem os períodos de comparação: 5,6% (2004-2014), 6,2% (2010-2014) e 6,3% (2013-2014).
E a causa principal disso são as aposentadorias precoces em que 87% dos servidores aposentam-se com 25 ou 30 anos de contribuição/serviço, a metade com idade mínima de 50 anos e uma quarta parte sem essa exigência, e também a permissividade das regras das pensões. Além disso, há a integralidade e a paridade, que só deixarão de existir para os servidores que ingressaram a partir de 2004.
Quais as saídas, então?
Muitos falam do combate à sonegação. O fato de o ICMS com exceção do relativo às cem maiores empresas ter crescido 12,7% reais entre 2006 e 2013, mostra que isso já vem sendo feito.
Outra saída apontada é a cobrança da dívida ativa. O fato de em doze anos (2003-2014) ela ter correspondido a apenas 1,8% do estoque do início do exercício, numa média inferior a meio milhão anual, mostra que não dá para ir muito além disso. Se fosse possível aumentar tanto a cobrança, outros governos teriam feito.
Também tem sido apontado o excesso de desonerações fiscais, em torno de 35% do ICMS potencial, onde mais de 1/3 desse percentual decorre das exportações, cuja isenção é determinada pela Constituição federal. O restante que está a cargo do Estado pode sofrer alguma redução, mas não em sua totalidade como afirmam, a considerar o valor que dizem resultar dessa medida.
Pelo lado da receita, um novo pacto federativo poderia aumentá-la, mas é inviável diante da difícil situação financeira do governo federal, que deve perdurar por muito tempo. O governo federal nos últimos quinze anos conseguiu pagar apenas a metade dos juros devidos, incorporando-se a outra metade ao estoque da dívida. E em 2014 todos os juros se incorporaram à dívida, porque o resultado primário foi negativo, situação essa que deve se repetir no atual exercício.
Pelo lado da despesa, um novo acordo da dívida, dependendo das condições pactuadas poderia ajudar muito, mas também encontra a barreira da situação federal.
Diante do exposto, restam algumas soluções básicas para o Estado, umas de curto prazo e outras de médio e longo prazo. Uma das mais importantes de curto prazo o governo já está providenciando, que é a contenção de despesa, com destaque para o estabelecimento de apenas 3% para o aumento da folha de pagamento, para atender o crescimento vegetativo, e a lei de responsabilidade fiscal estadual.
A principal medida de médio e longo prazo é a reforma da previdência, dilatando os prazos mínimos de aposentadorias para 60 anos e corrigindo as regras permissivas das pensões. Com isso, dispensaria o pagamento por dez anos ou mais, em média, da gratificação de permanência ou a reposição de novos servidores. O crescimento vegetativo da folha ficaria por metade ou até menos. Mas isso depende de mudança em nível federal.
Outra medida é implementar um planejamento estratégico, estabelecendo grandes metas que devem ser buscadas por todos os governos, não interessando a ideologia que professem ou o partido político a que pertençam. No livro “O Rio Grande tem saída?, p. 300 a 303, há uma série de sugestões que podem se implementadas
Com essas medidas, com o crescimento natural da arrecadação, com o passar dos tempos, o Estado acaba saindo da crise, se atitudes irresponsáveis de governos não forem repetidas. Se no decorrer desse tempo houver um bom crescimento econômico, a situação fica facilitada. O problema está na transição, que pode ser vencida com arrecadação adicional ou com grande atraso no pagamento da folha, conjugado com o corte de alguns ganhos excessivos.
Um fator negativo pode ajudar no enfrentamento da crise, que é a inflação, se ela não vir acompanhada de retração da economia. A inflação gera um descompasso entre receita e despesa, possibilitando o aumento maior da primeira.
Precisamos acima de tudo deixar de acreditar que nossas façanhas servem de exemplo a toda Terra, deixando de culpar os outros por tudo que acontece e assumirmos nossos próprios erros. Enquanto não fizermos isso e permanecermos no auto-engano de sempre, a situação não se modificará.