Nem tudo são rosas na economia brasileira
Os gastos primários do Governo Central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central), que eram de 13,71% do PIB em 1991, experimentaram uma expansão de 1,33 pontos percentuais em 2009, atingindo 22,33%. E isso não foi só resultado do reduzido crescimento nominal do PIB, mas principalmente, da expansão dos gastos públicos
Em 2009, quando se excluem as transferências a estados e municípios, a receita líquida a União passou para 19,5% do PIB e os gastos primários para 18,26%, dos quais apenas 1,1% são despesas de capital que contêm os investimentos, sem, necessariamente, terem essa classificação na sua totalidade.
O mais grave disso tudo é que, com uma participação em torno de 55% na excessiva carga tributária nacional (perto de 36% do PIB) e com um reduzido nível de investimentos, a União conseguiu poupar para pagar a dívida apenas 1,25% do PIB, uma redução de 47,7% em relação ao ano anterior, em termos reais, quando fizera de superávit primário 2,38%.
A redução do superávit primário veio acompanhada de um aumento dos juros nominais, que passaram de R$ 96,2 bilhões em 2008 para R$ 155 bilhões em 2009 (previsão), o que representou um incremento nominal de 61%. Com isso, puderam ser pagos apenas 25% dos juros devidos no exercício, tendo sido incorporados ao estoque da dívida 75%, uma importância superior a R$ 115 bilhões. O déficit nominal, que fora de 24,8 bilhões em 2008, alcançou a cifra de 115,8 bilhões em 2009, num incremento de 367%
Nominalmente, as receitas líquidas da União cresceram 4,8%, ao mesmo tempo em que as despesas expandiram-se em 15%. As receitas do Tesouro, propriamente, cresceram apenas 0,7% (4% de decréscimo real). Tendo em vista a queda maior dos tributos compartilhados, as transferências para estados e municípios apresentaram uma queda real de 8,5%, com amplos reflexos nas contas desses entes, especialmente dos pequenos municípios, que têm a quase totalidade de suas receitas provenientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), formado pelo IPI e pelo Imposto de Renda. O Imposto de Renda apresentou um decréscimo real de arrecadação de 4,8% e o IPI, de 25,7%, com destaque para o incidente sobre automóveis, que apresentou uma queda real de 67,5%.
Vista sob outro ângulo, essa redução do IPI teve o mérito de manter aquecido um importante ramo da economia. Mas, diante das externalidades provocadas pelo o aumento do número de veículos em circulação, não dá para dizer que essa foi a melhor escolha para enfrentar a crise. Mas isso é outro assunto.
O único item importante da arrecadação que cresceu, a despeito da crise, foi a receita previdenciária, com 11,4% nominais ou 6,2% reais, o que denota uma boa administração tributária nessa área. Mesmo com esse excelente crescimento da receita, o déficit previdenciário expandiu-se 18,4% nominais ou 12,4% reais, passando de R$ 36,2 bilhões em 2008 para R$ 42,9 bilhões em 2009, com uma participação de 94% da clientela rural na sua formação. Isso decorreu de um crescimento nominal de 12,7% e real de 7,4% na despesa com benefícios previdenciários, cujas causas básicas foram o aumento real do salário mínimo e o crescimento vegetativo do número de beneficiários, na ordem de 3,3%.
As despesas que apresentaram maior crescimento, tendo em vista sua representatividade, foram as com pessoal (15,9% nominais e 10,5% reais), as do FAT (30,5% e 24,4%), os benefícios assistenciais LOAS/RMV (18,1% e 12,6%). As despesas de capital aumentaram 20,8% nominais ou 15,1% reais, mas, conforme já referido, a fonte não esclarece quanto se refere a investimentos, embora deva ser a parcela mais significativa do valor.
O maior problema das medidas anticíclicas do governo foi o aumento das despesas de natureza rígida, que serão de difícil redução, na hipótese da ocorrência de outra crise que implique diminuição do ritmo de crescimento da receita. Esse fato poderá implicar em grave crise fiscal no futuro.
Mas o problema da economia do setor público federal não decorre só do aumento dos gastos primários e dos juros, conforme já referido. Decorre também do endividamento, motivado por outras causas.
Além dos juros incorporados, o crescimento da dívida teve origem no lançamento de títulos da divida pública para financiar as reservas cambiais, pelas chamadas operações compromissadas, e as operações de empréstimo aos bancos oficiais, com destaque ao BNDES, na ordem de R$ 100 bilhões, com promessa de mais R$ 80 bilhões para o ano corrente. Segundo o Economista José Roberto Afonso, as operações compromissadas, com um período de rolagem de 40 dias e que não existiam em janeiro de 2002, representavam 14,5% do PIB em dezembro de 2009. Com isso, a dívida interna bruta do Tesouro Nacional aumentou em 2009 R$ 273 bilhões, ou 15,5% nominais, ao passar de R$ 1,764 trilhão para R$ 2,038 trilhões, passando de 59% do PIB para 65%
Esse crescimento da dívida tem dupla implicação no tocante aos juros, que reverteram a curva que era de declínio até 2008, e terão de agora em diante uma base maior para sua incidência e, certamente, uma taxa SELIC também maior, porque a inflação começou a pedir passagem no início do corrente ano, com alguns índices superando a 1% no mês de janeiro
Os técnicos do governo dizem que o que deve ser considerada é a dívida líquida, mas isso não é uma opinião unânime, inclusive entre as entidades internacionais ligadas ao assunto. Mas mesmo a dívida líquida elevou-se de 37,3% para 43% do PIB entre 2008 e 2009. Sem as deduções dos empréstimos a bancos estatais passaria para 52%.
Na dedução de certos ativos para chegar à dívida líquida é que está o cerne da questão. Se quanto às reservas internacionais isso é inquestionável, não se pode dizer o mesmo quando o governo repassa dinheiro a um banco público para ele aplicar em empréstimos a seus clientes. Isso é muito mais uma expansão fiscal do que a formação de um ativo de que o governo possa dispor num período de turbulência. Esse é o entendimento de especialistas da área.
Está havendo também uma grande expansão do crédito, onde, além dos aspectos positivos, há também os negativos, como a expansão desordenada da demanda e sua baixa representatividade do financiamento imobiliário, onde ele mais se justifica. Além disso, o crescimento expressivo dos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS poderá se transformar num problema social no futuro. O crédito atinge hoje 48% do PIB, devendo alcançar 53% até o final do ano, pois desde 2002 seu crescimento ocorre num ritmo correspondente a cinco vezes ao do PIB.
Além de tudo isso, há uma previsão de deterioração nas contas externas. Segundo notícias publicadas pelo Estado de Paulo de 25 de janeiro, o déficit das transações correntes deverá atingir no corrente exercício US 47,5 bilhões, quase o dobro do verificado em 2009, quando atingiu US$ 24,3 bilhões.
Por tudo isso, pode-se dizer que nem tudo são rosas na economia brasileira.