Responsabilidade fiscal é incompatível com a social?
Há muita comemoração pela autorização para gastar R$ 169 bilhões fora do teto de gastos em 2023. De fato, essa medida corrige, embora de forma exagerada, uma das falhas do teto, decorrente do tratamento igualitário para todas as despesas. Mas não ela cria receitas, cria mais dívidas, porque com ela passamos a operar com déficit maior.
O teto de gastos limitou em cada ano as despesas à variação da inflação do ano anterior, excepcionalizando no caso de calamidades, como foi o a covid-19, em 2020. Como existem despesa que aumentam sempre acima da inflação, como os benefícios do INSS, com crescimento vegetativo de 2,6% ao ano, isso comprime outras despesas, que ficam sem recursos.
Muita gente há que não acredita na austeridade fiscal, como se o poder público fosse uma fonte inesgotável de recursos, como se não houvesse restrição orçamentária. E ainda encontram incompatibilidade entre o social e o fiscal, quando o contrário que é verdadeiro. O gasto desenfreado acaba em déficit e endividamento, só restando migalhas para o atendimento do social.
Recentemente nosso futuro Presidente disse que “ não se cuida do pobres, se ficar olhando a política fiscal”. Entendo diferente: Se não cuidarmos da situação fiscal, no longo prazo, teremos uma tragédia social.
Isso pode ser demonstrado pela equação abaixo, retirada do livro Finanças Públicas, de Felipe Salto e Mansueto de Almeida, p.20.
‘v = -p + (j – a) * d
A variável “v”, se é maior do que zero, indica que a dívida em percentagem do PIB está crescendo, porque o esforço do superavit primário (p) não foi suficiente para anular o efeito dos juros reais, deduzidos do crescimento real do PIB, sobre a dívida pública.
‘Se v = 0, tem-se p= (j – a) * d
Indica o superavit primário (p) necessário para manter estável a razão dívida/PIB
Onde:
‘ j = taxa de juros real (com a exclusão da inflação)
‘a = taxa de crescimento do PIB
‘d = dívida pública em % do PIB
Aplicando-se essa fórmula ao caso brasileiro, em que a dívida bruta do governo geral (DBGG) em outubro/2022 era de 77% do PIB, e considerando que o PIB possa crescer 2,5%, índice alto para o caso brasileiro[1], e considerando, ainda, a taxa Selic real em torno de 6,2%, tem-se:
‘p = (0,062-0,025) * 77% = 2,8%, em torno de 3%.
Então, deve haver um esforço primário próximo, talvez pouco menos do que 3%, porque em 2022, o haverá um pequeno superávit. Cada ponto do PIB corresponde a R$ 90 bilhões.
A isso deve se somar os efeitos da PEC aprovada recentemente, em torno de 2% do PIB, cuja despesa, em sua maioria, será permanente, com ocorrência nos exercícios vindouros.
Nessas circunstâncias, os juros continuarão altos, como meio de conter a inflação e também pelo maior risco visto pelos tomadores de títulos, quando a situação fiscal se agrava. Juros altos também limitam o crescimento e o resultante disso tudo é maior endividamento, que gera mais juros.
Se um grande crescimento não ocorrer, a situação poderá ficar insustentável.
[1] No curto prazo, como há capacidade ociosa, o PIB pode crescer a taxas maiores. No longo, entretanto, o crescimento real fica próximo ao potencial, cujo cálculo é controvertido, mas fica próximo a 2%.